De autoria do advogado Nicolau da
Rocha Cavalcanti e publicado no Estadão de
3/out/2012, este texto merece ser compartilhado com você, leitor do nosso blog.
(...) É possível ver a ética pela
estética? Não me refiro à estética da proporcionalidade do rosto, do bronzeado,
do implante de cabelo, do silicone, da taxa de gordura; numa palavra, à
estética da forma física. A questão é outra: as escolhas feitas ao longo da
vida, as nossas decisões, transparecem no nosso rosto? Será que a história do
Pinóquio tem um fundo de verdade? As minhas mentiras deixam marcas na minha
cara?
Atualmente, entendemos por ética um
conjunto de valores subjetivos, organizados na medida e na hierarquia que cada
um julgue relevante para uma vida digna. Mas não haveria uma ética comum, com
independência do que cada um pensa? Deve haver, pois não é razoável, por
exemplo, que alguém considere que mentir seja ético. Será possível entender
como atitudes éticas a covardia, a ingratidão e a arrogância?
A dignidade humana parece exigir
sempre algumas qualidades morais, com independência das idiossincrasias ideológicas
e culturais de cada um. Esse fato - que poderia parecer uma limitação para a
nossa liberdade - é o que lhe confere sentido. As nossas escolhas são
relevantes.
(...) É preciso (intervenção nossa) refletir
não apenas sobre a nossa ética, mas também sobre a nossa estética. O que é a
beleza humana? Que a garota de Ipanema seja bela ninguém discute. Mas há também
uma beleza que provém da dignidade, e não se trata apenas de uma "beleza
espiritual", não sensível. A pessoa, pelas suas opções, torna-se de fato
bonita. Dá gosto olhar para o seu rosto.
Seja qual for a idade, a prática de
algum tipo de exercício físico sempre ajuda. Mas será que o ideal de beleza
humana, especialmente na maturidade, não se apoia, sobretudo, nessa estética da
dignidade? O que é um rosto bonito aos 50, aos 60 anos? São os cremes e as
cirurgias que determinam? Ou são as atitudes e aquilo que os olhos expressam?
É comum ouvirmos reclamações sobre a
falta de ética dos homens públicos ou da sociedade em geral. Talvez pudéssemos
manifestar essa mesma indignação falando da feiura que, infelizmente, muitas
vezes encontramos: rostos que poderiam expressar humanidade, mas são
artificiais, não em razão das plásticas, mas pela falta de sinceridade de vida.
Exigir ética pode parecer mais fácil.
Temos a impressão de que ela é um aspecto mais objetivo, mais mensurável. Já a
beleza parece estar noutro âmbito. É sempre algo mais vital e exige do próprio
observador a capacidade da contemplação.
Contemplar a ética pela face da
estética exige um aprendizado. Não basta uma régua. Já não se trata de medir ou
de enquadrar, mas de observar. (...)
Esse aspecto também joga algumas
luzes sobre o nosso conceito de ética. De uma forma ou de outra, a ética
kantiana - configurada essencialmente por deveres - é uma ética de mínimos.
Seria ético quem não infringisse as normas éticas, quem vivesse o código de
ética da sua profissão. "Não matei nem roubei, logo, sou uma pessoa
justa." Esse raciocínio está longe da percepção aristotélica da ética, que
aponta para a perfeição do comportamento humano. Não basta abdicar do mal, é
preciso ser bom de verdade.
Novamente, vemos aqui a relação
entre ética e estética. A beleza também nunca é apenas uma ausência de
defeitos: tem sempre algo positivo.
A sociedade capta essa relação ética
e estética. (...)
Vemos essa correlação não apenas nos
políticos, mas também no Poder Judiciário. Com os magistrados temos a
oportunidade de observar essa evolução - ou involução - ao longo do tempo. Os
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) são um exemplo evidente. A
dignidade de cada um, que no âmbito judicial se manifesta primariamente por
meio da sua independência, se traduz no rosto de cada um. Quem, ao final do
processo do mensalão, sairá mais bonito e quem sairá mais feio? E não se trata
de ficar bem ou ficar mal perante a opinião pública, mas de ser expressão viva
de humanidade, de coerência, de justiça.
"Olhar-se no espelho" não
é apenas uma metáfora para a análise da consciência. O próprio rosto já é em si
mesmo manifestação da consciência.
(...) Tanto para as próximas
eleições quanto para o caso do mensalão, ver com calma o rosto dos candidatos,
dos juízes, dos réus pode ajudar. Afinal, estamos lidando com pessoas, não com
números. E depois dos 40 somos nós que decidimos se seremos bonitos ou feios. Afinal,
parafraseando Abraham Lincoln (intervenção nossa), quando era presidente dos
EUA: “Todo homem acima dos 40 anos é responsável pela cara que tem”.
* Advogado, é presidente do
centro de extensão universitária (CEU), entidade mantenedora do instituto
internacional de ciências sociais (IICS).
E-mail: nicolau.cavalcanti@gmail.com
E-mail: nicolau.cavalcanti@gmail.com
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