Mostrando postagens com marcador Assuntos Multidisciplinares. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Assuntos Multidisciplinares. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Reprograme seu DNA para ser criativo

Desenvolver as cinco competências de descoberta pode transformar qualquer gestor em um inovador, como escrevem os especialistas Jeff Dyer, Hal Gregersen e Clayton M. Christensen nestes highlights do livro DNA do Inovador

CHRISTENSEN. Clayton M. DNA do Inovador. ln HSM Management. Jan/Fev/2013. p.94-7.

O lendário líder da Procter & Gamble, A.G. Lafley, costumava dizer que “inovação é o trabalho central de todos os líderes, seja o chefe de uma unidade de negócios, um líder funcional ou o CEO da empresa”. Não é assim, contudo, que a maioria dos líderes costuma pensar, como confirmamos em oito anos de pesquisas, e o fato é que os profissionais de perfil inovador frequentemente deixam as empresas.

Ocorre que Lafley está certo, porque a inovação é mais necessária do que nunca. Será, então, que os líderes mais “convencionais” que permaneceram no ambiente corporativo conseguem transformar--se em inovadores? E o que impulsionaria tal transformação? Fomos investigar. A pergunta inicial foi: “Por que algumas pessoas são mais inovadoras do que outras?”. E as respostas apareceram:
·                    elas confiam em sua “coragem de inovar” –uma propensão ativa para desafiar o status quo e uma disposição inquebrantável de assumir riscos inteligentes– para gerar impacto a partir de ideias.
·                    para que surjam ideias inovadoras, deve-se ter, sobretudo, a “competência cognitiva do pensamento associativo”, ou seja, a capacidade acima da média de fazer associações de ideias.

Em parte, isso explica por que o cérebro delas funciona dessa maneira, mas a razão maior é que elas praticam com frequência quatro competências comportamentais: questionar, observar, fazer networking e experimentar.

As cinco não são competências do outro mundo, certo? Então, por que algumas pessoas as empregam muito mais do que outras? Voltamos ao início: elas têm coragem de inovar, ou seja, estão dispostas a abraçar a missão de mudar e correr riscos para que mudanças ocorram.

Analisamos, a seguir, as cinco competências, uma por uma.

Competências de descoberta
1.                  Associar
Como Steve Jobs disse, criatividade é juntar ideias. Ele acrescentou que, quando perguntamos a pessoas criativas como fizeram algo, elas se mostram um pouco culpadas por não tê-lo feito realmente, mas apenas detectado. “Elas tiveram a capacidade de combinar experiências e sintetizar coisas novas”, observou Jobs. É assim que os inovadores pensam diferente, o que chamamos de associação, uma competência cognitiva que é a base do DNA do inovador.

Quando o cérebro absorve ativamente conhecimentos, aumentam as possibilidades de criação de ligações entre ideias enquanto ele se esforça para sintetizar as informações novas. Da mesma forma, o poder de associação pode ser desenvolvido por meio do uso ativo de perguntar, observar, cultivar o networking e experimentar.

Em nossa pesquisa, todos os inovadores de alto nível tiveram índices excelentes em associação, com os inovadores de processos mostrando competências de associação ligeiramente inferiores às de inovadores de produtos (mesmo assim, bem superiores às dos não inovadores).

Associações novas permitem chegar a ideias de negócios disruptivas. Estas surgem de três modos:

1.1.             Criação de combinações estranhas.
Às vezes, os líderes mais inovadores capturam o que parecem ser associações muito tênues entre ideias e conhecimentos, misturando e combinando conceitos muito diferentes. Assim, produzem ocasionalmente ideias incomuns que podem ser catalisadoras de ideias criativas de negócios. O fundador do eBay, Pierre Omidyar, tinha conversado com consultores que tentavam resolver o problema de transportar rapidamente produtos entre as lavouras e os consumidores. A primeira pergunta que ele fez: “Por que não despachar um pé de alface pelo correio?”. Omidyar admitiu: “Era uma ideia estúpida, mas um exemplo de como juntar duas coisas nunca somadas”.
1.2.             Zoom in e zoom out. Empreendedores inovadores “mergulham” (zoom in) para compreender as sutis nuanças da experiência particular de um cliente e “voam” (zoom out) a fim de saber como tais detalhes se encaixam no quadro maior. A síntese das duas visões leva a associações surpreendentes. Um adepto do uso do zoom in e do zoom out? Steve Jobs.
1.3.             Pensamento Lego. Se os inovadores têm algo em comum é adorar colecionar ideias, como os garotos amam colecionar Lego. Inovadores que participam com frequência de atividades de indagar, observar, conversar com pessoas e experimentar se tornam mais capazes de associar, porque desenvolvem experiências de compreender, armazenar e recategorizar todo o novo conhecimento. Os inovadores que estudamos raramente inventaram alguma coisa inteiramente nova; eles combinaram de novas maneiras ideias que haviam obtido.

2.                  Questionar
Os inovadores fazem muitas perguntas para entender melhor o que é e como poderia ser. Ignoram perguntas seguras e escolhem as que desafiam o status quo. Nossa pesquisa demonstrou que os inovadores fazem mais perguntas que os não inovadores e fazem perguntas mais provocativas. Por ter feito muitas perguntas, A.G. Lafley ajudou a virar o jogo na P&G. Ele começava conversas ou reuniões com perguntas como: “Qual é a consumidora-alvo deste produto?”; “O que você sabe sobre ela?”; “Qual o tipo de experiência que ela quer de verdade?”. Depois, mudava a linha do interrogatório para questões fortes do tipo “e se...”, procurando chegar a inovações centradas no consumidor. Suspensos confortavelmente entre
a fé e a dúvida em seus mapas, os melhores inovadores lembram que seus pontos de vista sobre o mundo nunca são territórios reais. De maneira intuitiva, dependem de uma variedade de perguntas para desenvolver uma compreensão profunda de como as coisas são de verdade, antes de testar como poderiam ser: “o que é?”, “qual é a causa?”, “por quê?”, “por que não?” e “e se...?”.

3.                  Observar
Tom Kelley, da empresa de design Ideo e autor de A Arte da Inovação (ed. Futura), escreveu que a pesquisa do antropólogo é a maior fonte de inovação em sua empresa. Os antropólogos desenvolveram técnicas para estudar os seres humanos em seus ambientes naturais e aprender com seus comportamentos.

Quando os clientes se tornam conscientes da tarefa que precisam cumprir, olham em volta à procura de um produto ou serviço que possam “contratar”. Observar alguém em uma circunstância particular pode levar a percepções sobre a tarefa a ser realizada –e sobre a melhor maneira de cumpri-la. A experiência de Ratan Tata com o Nano ilustra essa ideia. Sua observação inicial, de uma família na motoneta sob a chuva, levou-o a entender que o veículo não cumpria muito bem sua tarefa de transportar a família de modo seguro e sem deixá-la molhada.

Observar é uma habilidade-chave de descoberta para a maioria dos inovadores, que tendem a gerar percepções de negócios a partir de um de dois tipos de observações:

3.1.             Observar pessoas em circunstâncias diferentes ao tentarem realizar uma tarefa e obter percepções sobre qual é a tarefa que elas desejam realizar de verdade.
3.2.             Observar pessoas, processos, empresas ou tecnologias e buscar uma solução que possa ser aplicada (talvez com modificações) em um contexto diferente.

Enquanto estiver observando clientes, empresas ou outra coisa qualquer, use mais que um sentido (visão, olfato, audição, tato, paladar). Isso já foi estruturado no “diálogo no escuro” (prática desenvolvida por Andreas Heinecke) e no “diálogo no silêncio” (Heinecke e Oma Cohen), espécies de excursões cujos convidados experimentam  ambientes desconhecidos –escurecidos ou silenciosos.

Um modo menos estruturado de empregar seus sentidos é conscientizar-se deles. Por exemplo, preste atenção aos cheiros que sente na próxima vez em que visitar um cliente ou concentre- -se em como você percebe um produto quando o toca. Enquanto aprende a observar, aparecerão insights criativos.

4.                  Networking
Pensar fora da caixa exige, com frequência, ligar as ideias de sua área do conhecimento às que estão em ramos diferentes. Os inovadores ganham uma perspectiva nova quando dedicam tempo e energia a descobrir e testar ideias por meio de uma rede de pessoas diversificadas.

Nossa pesquisa revelou que empreendedores de startup e corporativos são ligeiramente melhores em formar networking de ideias do que inventores de produtos e bem melhores do que inventores de processos e não inovadores.

O princípio básico de cultivar uma rede de ideias é construir uma ponte para uma área de conhecimento diferente interagindo com alguém com quem você ou seus pares não interagiriam normalmente.

Em mais ou menos metade dos casos que estudamos, em que ideias novas chegaram por meio do networking, o feliz empreendedor praticamente tropeçou na ideia. No entanto, pessoas que cultivam com eficiência networking de ideias também fazem planos para conseguir novas ideias de modo deliberado, consultando regularmente especialistas de fora de seu grupo, participando de encontros de networking e formando uma rede pessoal de confidentes criativos.

Apesar de todos os pontos positivos do networking com especialistas de outras áreas, Scott Cook, da Intuit, pede cautela, porque há casos em que conversar com especialistas não é a melhor forma de gerar inovações. “Alguns problemas e novas ideias de negócios representam uma mudança de paradigma tão grande que conversar com pessoas reforça o paradigma atual.” O ponto é que os especialistas também têm seus pontos de vista. Assim, lembre-se de fazer perguntas contraintuitivas para desafiá-los e ouça suas respostas com um ceticismo saudável.

5.                  Experimentar
Os inovadores de negócios vivem experiências distintas das do dia a dia e desconstroem produtos e processos em busca de dados que possam provocar uma ideia. Jeff Bezos, da Amazon, tanto aprendeu que experimentar é crucial que tentou institucionalizá-lo. “Estimulo os funcionários a testar. Se você aumenta o número de experiências de cem para mil, crescem drasticamente as inovações.”

De todas as competências de descoberta, determinamos que experimentar era o melhor diferenciador entre inovadores e não inovadores. Assim, se você quiser encontrar alguém com tendência à criatividade e à inovação, avalie sua competência de experimentação.

A maioria dos inovadores de nosso estudo tinha, pelo menos, uma das três maneiras de experimentar:

5.1.             Tentar novas alternativas por exploração direta, como Jobs fez ao permanecer em um ashram na Índia ou estudar caligrafia.
5.2.             Desmontar coisas, física ou intelectualmente, como Michael Dell, quando, aos 16 anos, separou as peças de um computador.
5.3.             Testar uma ideia por meio de pilotos e protótipos, como Michael Lazaridis, o inventor do BlackBerry, ao tentar construir, na escola secundária, um campo de força semelhante ao da Star Trek.

Hábitos de descoberta
Quando praticam ativamente suas competências de descoberta, as pessoas constroem hábitos de descoberta. E são definidas por esses hábitos.

Assim, confiam cada vez mais em sua capacidade de descobrir o que vem a seguir, encorajam-se e passam a crer que a geração de insights criativos seja parte do trabalho. Como A.G. Lafley recomendou.

segunda-feira, 11 de março de 2013

O difícil desafio de escrever

Quem de nós, vez ou outra, não precisa escrever algo? Independente da natureza ou da finalidade do que precisamos escrever, sempre nos perguntamos como chamar a atenção do leitor e estabelecer com ele uma relação de confiança.

Para alcançar esse propósito, de acordo com os escritores Tracy Kidder e Richard Todd, é sempre bom confiar no leitor desde o começo atribuindo-lhe uma inteligência no mínimo igual à que imagina para si mesmo. Parta do princípio de que, seguramente, você sabe algumas coisas que o leitor não sabe, mas ele possui conhecimentos aos quais você não tem acesso.   

Prossiga, tendo sempre em mente que um bom começo tem de ser claro. Em qualquer trabalho escrito, as ideias se encadeiam com a lógica literal ou com a lógica do sentimento, de modo que o leitor experimente a dupla experiência de entregar-se a elas e de desfrutar da sua habilidade de escritor. A coexistência desses dois prazeres na mente do leitor é uma medida da boa escrita.

Mas uma coisa é quando o leitor se satisfaz com as realizações de quem escreve, outra quando o prazer do próprio autor é visível. Isso quer dizer que o autor trabalha a serviço da ideia, e sempre a serviço do leitor.

Nessa linha de orientação, é importante observar ainda:  
a) procure criar um diálogo com o leitor, imaginando o que ele pode questionar, criticar e, também, concordar;

b) o que você sabe não é algo que possa tirar de uma prateleira e entregar, mas geralmente é o que descobre ao escrever, assim como na melhor das conversas com um amigo: a escrita e o leitor fazem a descoberta juntos;

c) você não pode cativar o leitor logo na primeira sentença, mas pode perdê-lo logo de cara;

d) nada é mais tedioso que a prolixidade. Em sua introdução a Os Elementos do Estilo, E.B. White sugere que o leitor está sempre em risco de confundir. O leitor é "alguém chafurdando num pântano" e cabe ao escritor (a quem pertence o pântano, é claro) "drenar esse pântano rapidamente e colocar esse alguém em terreno seco ou ao menos atirar-lhe uma corda" (...);

e) não se pode dizer tudo de uma vez. Boa parte da arte dos inícios é decidir o que guardar para mais tarde, ou para não dizer. Faça uma coisa de cada vez. Prepare o leitor, diga tudo o que ele precisa saber para continuar lendo, e não diga mais. Em formas mais longas de escrita, o coração do assunto é geralmente o lugar onde se vai chegar, não o lugar para começar. Evidentemente, o leitor precisa de uma razão para continuar, mas a melhor razão é simplesmente a confiança de que quem escreve vai a algum lugar interessante.

Ter o domínio da linguagem, saber expressar-se, é cada vez mais importante inclusive para ser eficiente na comunicação online. Enfrente esse desafio e exercite-se! Afinal, como toda habilidade, escrever bem requer treino.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A produtividade comprometida

Adaptação do texto de Jorge J. Okubaro (O Estado de S. Paulo, B2, 31/12/12)


Uma das transformações mais notáveis do mercado de trabalho brasileiro nos anos recentes é o aumento do grau de exigência profissional para o preenchimento das vagas que vão sendo criadas. Essas mudanças estão presentes no mercado de trabalho como um todo, independente de área ou segmento.

Hoje o trabalhador precisa ter maior qualificação profissional e absorver alta tecnologia, uma vez que as técnicas modernas exigem conhecimentos específicos sobre materiais e equipamentos, além de capacidade para aprender novos métodos e procedimentos.

Para as empresas, essa transformação impõe desafios variados. No campo das relações de trabalho, é preciso lidar com uma categoria profissional com nível de conhecimento mais avançado e, por isso, disposto a exigir com mais argumentos a melhora das condições em que trabalha. Novas demandas exigem novas respostas, às vezes encontradas só depois de alguma forma de confronto.

O desafio que mais aflige as empresas, porém, é encontrar o profissional adequado para as vagas que precisam ser preenchidas. Ainda lento na identificação das mudanças no mercado de trabalho e mais lento ainda na adaptação às novas demandas do País, o sistema de ensino tradicional não consegue preparar profissionais como os que estão sendo procurados em ritmo crescente pelas empresas. Não há cursos regulares para a preparação desses trabalhadores, ou pelo menos não há na quantidade necessária ao atendimento da demanda mais intensa dos empregadores. Por isso, em nome da competitividade as empresas estão assumindo a responsabilidade de manter seus funcionários atualizados, por meio de programas de qualificação realizados dentro de suas instalações.

A escassez de profissionais, de sua parte, dá mais força aos trabalhadores no momento de negociar as condições de trabalho e, assim, estimula mudanças nas relações trabalhistas. Profissionais bem preparados podem mudar de emprego, se receberem oferta vantajosa; e, para não perder um empregado já adequadamente treinado e não incorrer nos custos de preparação de seu substituto, a empresa precisa cobrir a oferta.

O problema não se limita ao mercado de profissionais de nível superior, entre os quais certamente a escassez é mais aguda. No caso de engenheiros, pelo menos, o governo parece ter acordado para essa questão e pretende estabelecer uma ponte entre brasileiros que fazem cursos em faculdades do exterior com bolsas do programa Ciências sem Fronteiras e as empresas do País interessadas em contratá-los.

A carência de trabalhadores habilitados para as novas funções é generalizada e se transformou em sério obstáculo ao indispensável aumento da competitividade da economia brasileira. Para ser mais competitivo, o País precisa ser mais produtivo, isto é, produzir melhor e a custo menor por unidade.

Ganhos de produtividade, como tem citado com certa frequência a presidente Dilma Rousseff, exigem mais investimentos, sobretudo do setor privado - além de disponibilidade de mão de obra preparada, acrescente-se. Sem investimentos, de fato, não se amplia nem se moderniza o parque produtivo. Mas os dados recentes são frustrantes. Pior do que o mau resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre, que cresceu apenas 0,6% em relação ao período abril-junho, foi a redução de 2% nos investimentos em máquinas, instalações e infraestrutura. É uma péssima indicação para o futuro próximo. Sem investimentos, a economia não voltará a crescer rapidamente nem ganhará produtividade.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Aprendizagem de alunos de baixo nível socioeconômico

Adaptação do texto de Ocimara Balmant (Estadão.edu, A12, 7/1/13)

Cada vez mais ganha força a importância da parceria entre a rede municipal e a estadual para que as escolas que atendem alunos mais pobres - sujeitos a menos estímulos em casa e com menor acesso a materais pedagógicos - possam oferecer um ensino de excelência que seja assimilado por todos. Da mesma forma, vai sendo evidenciada a importância da continuidade de ações quando uma nova gestão assume.

E o segredo para a elevação do padrão de qualidade do ensino não está em recursos tecnológicos ou em apostilas de sistemas de ensino famosos; passa pelo acompanhamento individual dos alunos e pelo uso dos resultados das avaliações para embasar ações pedagógicas. Mas, acima de tudo, implica no cuidado com a implementação das políticas, o que inclui apoio ao corpo docente e fluxo aberto de informações.

É o que mostra um estudo da Fundação Lemann e do Itaú BBA, após mapear as escolas públicas dos anos iniciais do ensino fundamental que atendem alunos de nível socioeconômico baixo e que tiveram sucesso no aprendizado, considerando os resultados da Prova Brasil 2011 e o respectivo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). As escolas tinham de ter uma taxa de participação de 70% dos alunos na Prova Brasil, com ao menos 70% dos alunos no nível adequado de proficiência e no máximo 5% dos alunos no nível insuficiente, o que sinaliza o ensino com equidade, isto é, com todos aprendendo.

Das 215 escolas encontradas, foram selecionadas 6 para a etapa qualitativa da pesquisa: 2 no Nordeste e 1 em cada uma das outras regiões do País. Nas visitas, os pesquisadores entrevistaram o diretor, o coordenador pedagógico e um trio de professores de cada uma das escolas. Além disso, houve grupo focal com alunos e a observação do ambiente escolar.

"Tivemos o cuidado de olhar características que possam ser replicáveis em outras escolas, com baixo custo financeiro e com probabilidade de ter resultados similares em curto prazo", diz Ernesto Martins Faria, coordenador de projetos da Fundação Lemann. Exemplos disso são as estratégias de valorização de docentes, apesar da ausência de um plano de carreira amplo, e o cumprimento de metas de aprendizagem, mesmo sem um currículo nacional.

Um dos "achados" da pesquisa é a importância do engajamento das secretarias de Educação. Nos municípios de Pedra Branca e Sobral, ambos no Ceará, e em Foz do Iguaçu (PR), as secretarias foram as responsáveis por olhar os resultados das avaliações, identificar os pontos fracos em relação ao aprendizado e, com isso, criar um plano estruturado de recuperação do ensino.

Em Foz do Iguaçu, os dados das avaliações são tabulados e os conteúdos em que os alunos têm mais dificuldade se tornam tema de cursos de formação continuada para os docentes. Se em 80% das turmas mais da metade dos alunos errou questões de trigonometria, o assunto é tema de capacitação. Com esse modelo, a escola é capaz de interferir assim que identifica um problema, impedindo que os alunos fiquem para trás.

"Ao mostrar a atuação das secretarias, o estudo explicita o papel fundamental da tutoria, uma estratégia muito eficaz de estímulo ao aprendizado, como já mostram estudos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)", diz Patrícia Mota Guedes, especialista em gestão educacional da Fundação Itaú Social.

Por isso, diz Patrícia, não basta à gestão municipal exigir que suas escolas tenham rendimento parecido; é preciso entender as peculiaridades e investir mais nas mais carentes, seja em estrutura física ou pedagógica. "Afinal, a maioria dos docentes quer ver melhora no sistema. Acontece que, às vezes, ele não sabe o que fazer. Com tutoria, ele aprende o caminho."

E parte dessa tutoria pode ser bem caseira. Em Pedra Branca, se a escola identifica por meio de avaliações ou observações em sala de aula que um docente consegue ensinar determinado conteúdo que os outros não conseguem, ele é selecionado para apoiar os colegas e explicar seu método para os demais. Isso proporciona apoio aos que mais precisam e reconhecimento a quem se destaca.

É o que Priscila Cruz, diretora do Todos pela Educação, chama de processo acertado de "desglamourização" da educação. "No Brasil, quem bota a mão na massa é menos importante e valorizado do que quem cria a política. Isso é péssimo. Quando se inverte essa lógica e se cuida do dia a dia, do feijão com arroz, os resultados surpreendem."

Se a boa notícia é a possibilidade de escolas que atendem a população com menor nível socioeconômico apresentarem bons indicadores, a má notícia é a constatação de que muitos dos municípios que contam com boas escolas nos anos iniciais do ensino fundamental não oferecem a mesma qualidade nos anos finais.


 


Receita de quem sabe ensinar 
Práticas comuns
  • Definir padrões
  • Acompanhar de perto - e continuamente - o aprendizado
  • Usar dados do aprendizado para embasar ações pedagógicas
  • Fazer da escola um ambiente propício ao aprendizado  
Formas de implementação
  • Criar um fluxo aberto e transparente de comunicação
  • Respeitar e apoiar o professor
  • Enfrentar resistências com o apoio de grupos comprometidos
  • Ganhar o apoio de atores de fora da escola

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

A violência urbana, da necessidade ao desejo


BUCCI. Eugênio*. O Estado de S. Paulo, A2, 15/11/2012.

Economia melhora, o crime cresce - com esse título, reportagem de Murillo Camarotto, publicada no caderno Eu & Fim de Semana, do jornal Valor Econômico, de 9/11/12, demonstra de modo irrefutável o que os governos no Brasil detestam admitir: a miséria, a pobreza e a chamada exclusão social não são as causas principais do aumento das taxas de homicídios, de assaltos e da violência generalizada que espalha medo nas cidades brasileiras. Levantamento realizado pelo Valor mostra que, entre os dez Estados brasileiros que mais reduziram a desigualdade social de cinco anos para cá, seis pertencem simultaneamente a outro grupo, este bem menos edificante: o grupo dos dez onde a violência mais cresceu. Os dados e os estudos apresentados pela reportagem desmascaram a tese de que a necessidade extrema seria a única responsável pelo fenômeno a que os sociólogos dão o nome de "criminalidade urbana".

A notícia não é exatamente nova. O estado de necessidade, que viola todos os requisitos da dignidade humana, constitui a pior violência que se pode cometer contra alguém. Há décadas, no entanto, já sabemos que o estado de necessidade não é a causa principal da violência. Ele é inaceitável, totalmente inaceitável, mas não porque cause aborrecimentos aos de cima; é inaceitável porque não se pode conviver mais com a miséria. É inaceitável só por isso, sem precisar de nenhum outro interesse pragmático para ser mais inaceitável do que já é. Não obstante, o pensamento político brasileiro, na média, estabelece um vínculo falso entre uma coisa e outra. Aqui, os demagogos difundem a crença fácil de que a necessidade é a mãe da violência. A maldade humana seria um mito, só o que existe é a perversidade das condições materiais de vida.

Conclusão: a culpa pela falta de segurança pública seria do "sistema". Pronto. Políticas realistas de segurança pública não passariam de meros paliativos, pois todo o mal reside nas diferenças entre ricos e pobres. Nivele-se a sociedade e a violência cessará, promete a demagogia.

Mais que ilusória, essa mentalidade é deletéria. (...)

Assim, o discurso que diz que a violência é produto da necessidade dos mais pobres embute um outro discurso, mais complicado, segundo o qual a corrupção "do bem" é uma necessidade da luta política. (...)

Acontece que a corrupção, assim como a violência urbana, não decorre da faixa de renda de cada um. Os demagogos sabem disso, mas fingem não saber. (...)

Demagogos endinheirados se perdoam em nome da necessidade, não do desejo. Eles também se consideram vítimas do sistema e, do alto dessa presunção, subornam assessores, policiais e cabos eleitorais. Alegam que combater o sistema não é barato. Acreditam ser o expediente do crime imprescindível para se fazer política, assim como acreditam que um assalto à mão armada seja uma saída contra a fome. Os demagogos não percebem que se converteram no próprio sistema que prometiam combater. Não têm como aceitar o próprio desejo, pois, neles, o desejo é o desejo de se fundir no sistema que prometiam combater, o desejo é o desejo de estar do outro lado.

Por essas e por outras, a mentalidade demagógica (...) é inepta para enfrentar o desafio da segurança pública. Ela não entende que quando um adolescente mata outro, da mesma idade, para lhe arrancar um par de tênis, não mata por necessidade, por ter os pés descalços, mas por desejo de desfilar com aquela marca, assim como o corrupto é corrupto não por necessidade partidária, mas porque deseja uma gravata de grife, um iate cafona, a aprovação de seu chefe ou a bajulação dos carentes.

A violência que cresce em São Paulo, em mais uma onda cíclica, não vem de baixo, "dos pobres", nem da necessidade. Vem do alto. Em sua face mais visível, é verdade, ela brota do desejo de quem só tem um revólver na mão para se fazer notar. Mas em sua estrutura, em seu motor histórico, ela vem do desejo dos de cima que, na sua ambição, degradam a polícia, distribuem armas, concentram renda e sonegam direitos. O "sistema", nesse caso, está mudando de mãos. E tem nome e endereço.

* Jornalista, Professor da ECA-USP e da ESPM

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O desafio do analista é permanecer humanista



Dada a necessidade que todos nós temos de melhorar nossa compreensão sobre o momento em que se encontra a humanidade, compartilhamos com vocês trechos bastante elucidativos da entrevista que Leopold Nosek,  da Federação Psicanalítica da América Latina, concedeu a Marília Neustein e Sr, colaboradora do Estadão(Caderno 2, D10, 7/10/2012).  

Para ele, os sintomas desse momento de transição que estamos vivendo representam um dos principais desafios dos analistas contemporâneos. “O filme A Pele em que Habito, de Pedro Almodóvar, apresenta o monstro atual”, pondera. “O indivíduo pode trocar de sexo, de pele, fazer filhos de proveta, coisas antes inimagináveis”. Os temas do encontro serão tradição e invenção. “Veremos como esses dois dados se relacionam. Sem a tradição não se vive. No entanto, ficar paralisado na tradição também não é viver”, afirma.

A seguir, os melhores momentos da entrevista.

O mundo atual é muito fragmentado, a análise ajuda a dar unidade para pensamentos e sentimentos?
O paciente continua um ser humano. Só precisa ser lembrado disso. É um trabalho de recuperação. Não vivemos de construções velhas, portanto é impossível um analista estar ouvindo a mesma coisa. Nossos sentimentos pedem sempre novos versos.

Quando um paciente tem alta, quem define isso: ele ou o analista?
Não creio em alta. A alta não faz parte da minha ideia analítica. A cura é uma ideia médica e se baseia em sintomas. O que existe são momentos de desenvolvimento que promovem emancipação. Tem muita gente que quer se aprofundar em si mesmo. Por outro lado, para quem faz análise, esse tipo de exercício reflexivo é vital. Não há como evitar.

Existe quem consiga fazer essa reflexão sozinho?
De fato não criamos nada em isolamento. Prefiro dizer que há pessoas que fecham a porta para esse tipo de prática. Muitas possuem uma dificuldade de olhar para sua interioridade. São pessoas que estão sempre em ação, impedindo o contato com o mundo onírico. Outros têm uma cegueira para o que é conflitivo, contraditório e escuro. O que sabemos sobre a análise é que aquele que a faz fica um pouquinho melhor na comparação com ele mesmo. E esse pouco melhor é inestimável. A família e as pessoas ao lado notam. Claro que, como tudo, análise depende de sorte. De achar a companhia certa para tanto. Nelson Rodrigues dizia que sem sorte você não chupa nem picolé porque vai cair no seu sapato.

A rapidez e a competição da atualidade contribui para o aumento da angústia?
Vivemos transformações importantes. Acostumamo-nos a lidar com um aparelho eletrônico e já temos que lidar com um novo. Existe hoje um paradoxo. Vamos viver mais de oitenta anos, mas ficaremos obsoletos profissionalmente, muitas vezes, com 40, 50 anos. Isso gera uma grande insegurança. Há uma enorme concentração de recursos materiais e de expediente para o trabalho para se produzir. Isto influencia nosso modo de viver. Por exemplo, os bancos vão se preocupar com suas ações e não com as hipotecas e o destino dos mutuários. Será que as grandes corporações farmacêuticas são diferentes?

E qual a consequência disso?
Falta tempo para o ser humano olhar para a própria humanidade. Não conseguimos construir um acervo onírico, uma personalidade. Sonhar e adquirir um repertório cultural, poético, requer tempo. É isso que necessitamos para dar conta da vida. É um desafio dos analistas de hoje, muito diferente da época do Freud. O sofrimento atual é de outra ordem. A do vazio. O indivíduo sofre, mas não articula um discurso. Quem tem pânico, por exemplo, sequer sabe diferenciar se o sofrimento é psíquico ou corporal. E crescem doenças como a anorexia, obesidade e a bulimia, que há 40 anos eram uma raridade.

Com o avanço das drogas psiquiátricas, o paciente é o que ele toma?
Claro que não. Comemoramos as novas medicações, são um progresso. Entretanto, há um exagero. As pessoas não podem mais ficar tristes. Crises e os lutos são grandes oportunidades de transformação, de inventividade, desenvolvimento. Se você não tem tempo do luto, as pessoas tornam-se descartáveis. Como viver sem perdas? O importante é dar um destino criativo para elas.

Onde entra a análise?
As pesquisas mostram que uma terapia, de ordem verbal, aliada a medicação, funciona melhor do que só o remédio. Isso é consenso em psiquiatria também. No entanto, existe uma predileção por sucesso rápido. Costuma-se dizer que a psicanálise é demorada. O que ocorre é que entramos em um processo de desenvolvimento. Se a análise for boa você sente os benefícios desde o primeiro encontro.

Como se manter são ?
Eu nem pretendo isso. Não me apresento assim. Não tenho cara de são e não faço a menor questão de ser. E não sei mais do que a pessoa que está lá comigo. Só tenho um ouvido disciplinado para aquilo. Para ser analista, tem que ter problemas suficientes para não conseguir ficar quieto.

Como o senhor vê o crescimento dos fundamentalistas no mundo?
Quando eu comecei, a angústia dos pais era que os filhos estavam virando revolucionários. Hoje, se preocupam porque os filhos estão virando fanáticos. Com a falta de tempo para construir um acervo que dê conta da sua humanidade, o indivíduo apela para as receitas prontas.

Em qualquer época?
Em tempos de transformação. Quando o velho não existe mais e o novo ainda não se estruturou, criam-se os monstros, dizia Antonio Gramsci. São momentos em que ainda não há um novo sonho, uma referência poética. Em épocas como essa, em que não existe tempo de esperar até que se organize um novo sonho, uma nova referência poética e cultural, é que as pessoas se socorrem de coisas estabelecidas.

O que é a felicidade?
Essa felicidade da qual se fala é uma bobagem (risos). Uma coisa é viver criativamente, viver bem. Viver feliz é um sonho infantil. A ideia de não ter conflitos, problemas, é uma negação da realidade. Isso não é viver feliz, é ter uma anestesia para uma parte da vida. Uma pessoa que acredita nisso não vive as crises dos filhos, as questões amorosas, os lutos. Pensa em soluções. Chamo essas pessoas de “solucionáticas”.

Para resumir, qual o maior desafio para o analista hoje?
Cada vez mais o tratamento é bipessoal. Na sala de análise tudo pode acontecer virtualmente. O analista tem que ser corajoso e participativo. Ter audácia. Tem que ter o conhecimento. Esta é a sua ética. Estamos todos em questão, o paciente, o analista e a análise. Cabe a brincadeira “vamos olhar seus problemas de frente: pode se deitar”.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O Drama do Desemprego entre os Jovens



Puxado pelas estatísticas dos países ricos, o desemprego entre jovens dispara no mundo e ameaça a economia global com efeitos que devem perdurar por várias décadas

SEGALA. Mariana. O Drama do Desemprego entre os Jovens. Revista Exame 08/10/2012

Na última década, a taxa de desemprego entre jovens na Irlanda saiu de 6% para 31%, uma das maiores altas registradas entre os membros da OCDE,­ o clube das nações mais ricas.
Desde a eclosão da crise, a taxa média de desocupação entre os 15 e os 24 anos nos países desenvolvidos saltou de 12,5% para 18%, o principal fator por trás da elevação do desemprego juvenil em todo o mundo, um fenômeno que hoje atinge 75 milhões de pessoas. 

O pior é que, até onde a vista alcança, as vítimas precoces do desemprego não têm motivos para se animar. Pelos cálculos da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a situação não deve voltar aos níveis pré-crise, no mínimo, pelos próximos cinco anos.

“Os jovens costumam ser os primeiros a sentir os efeitos de uma recessão e também tendem a ser os últimos a sair dela”, afirma Adriana Kugler, economista-chefe do Departamento de Trabalho dos Estados Unidos, país onde a desocupação atinge 17% dos trabalhadores com menos de 25 anos.

No plano pessoal, o desemprego costuma ser uma tragédia. Pesquisas realizadas nas últimas quatro décadas comparam o estresse causado pela perda do trabalho à morte de um amigo próximo ou à doença de um parente — quem já teve a infelicidade de passar por essa experiência sabe exatamente o desgaste que ela pode provocar.

Do ponto de vista da sociedade como um todo, a falta generalizada de emprego é igualmente funesta — algo que ganha proporções desastrosas quando afeta os mais jovens. “É um desperdício deixar a parcela mais dinâmica e criativa da força de trabalho simplesmente fora do jogo”, afirma Theodoor Sparreboom, economista sênior da OIT.

O drama é que, caso esse quadro não seja revertido, os jovens (e os países) afetados vão sentir seus efeitos por décadas — mesmo quando a esperada queda do desemprego se materializar. Um extenso estudo feito pela ONG inglesa Acevo indica que, no Reino Unido, onde a taxa de desemprego juvenil atinge quase 22%, um ano sem trabalho na juventude pode significar salários de 6% a 8% menores quando o profissional alcançar a faixa dos 30 anos.

O desemprego precoce tem um efeito tão devastador e persistente que, mesmo aos 40 anos, a pessoa pode receber até 20% menos. Deixar de trabalhar no que deveria ser o início da vida profissional também eleva a chance de que o desemprego volte a acontecer no futuro.

“Nessa corrida, quem sai muito depois da largada fica com lacunas no currículo, demora a formar uma rede de contatos e, em muitos casos, acaba aceitando funções mais mal remuneradas”, diz José Ramón Pin, professor da Escola de Negócios Iese, de Barcelona. Nesse sentido, o caso do espanhol Carles Plasencia, de 25 anos, é esclarecedor.

Plasencia se formou em linguística e literatura em junho na Universidade de Valência. Sem nenhuma esperança de encontrar emprego na sua área, Plasencia já se candidatou, sem sucesso, a vagas de garçom e de vendedor de loja. No desespero, chegou a bater na porta de um McDonald’s, mas nem lá conseguiu o que queria.

“Se não encontrar nada até metade de 2013, vou seguir os passos de alguns amigos meus e emigrar”, diz Plasencia. A Espanha, que, assim como a Grécia, tem mais da metade de seus jovens sem emprego, está
vendo sua população economicamente ativa sangrar. Em 2011, 63000 espanhóis deixaram o país,­ quase
60% com menos de 30 anos.  

A falta de trabalho nos primeiros anos do percurso profissional coloca a vida em suspenso. Na Itália, onde 35% dos jovens não encontram trabalho, a população de mammones — os marmanjos que continuam morando na casa dos pais mesmo depois de adultos — proliferou.

Atualmente, 42% das pessoas de 25 a 34 anos permanecem sob a barra da saia materna, a maioria por razões financeiras. Na década de 90, a proporção não chegava a um terço. Pelos cálculos da Universidade Bocconi, de Milão, os italianos que começam a trabalhar mais tarde têm um aprendizado mais lento e um retardo de produtividade de cinco a dez anos em comparação à média da OCDE. 

Individualmente, a procrastinação na vida adulta é uma questão estritamente privada. Quando os adiamentos na compra do primeiro carro, na aquisição da casa própria e na formação de uma família ganham proporções de fenômeno social, porém, a economia como um todo sente — e aí esse passa a ser um dos principais temas do debate público.

Um levantamento do Instituto de Pesquisa Pew Research Center publicado neste ano mostra que 31% dos americanos até 34 anos decidiram adiar os planos de casar e ter filhos, o que complica a situação do setor da construção. Para a indústria automobilística americana, é justamente a menor demanda desse público que emperra a recuperação de suas vendas.  

Nos países europeus, os jovens chamados de neets, acrônimo para not in employment, education or training (fora do trabalho, da educação e do treinamento), custam, em média, 1,1% do PIB a cada ano. O cálculo considera os gastos com seguro-desemprego e o que eles deixam de produzir.

Nessa conta, porém, não constam os custos adicionais com saúde pública. Mais da metade dos jovens desconectados do mercado de trabalho e do mundo da educação se sente frequentemente deprimida ou ansiosa, segundo levantamento da ONG inglesa Prince’s Trust. Apenas um terço tem esperança no futuro, metade da taxa dos jovens que estão trabalhando. Quanto mais tempo um jovem fica desempregado e mais entrevistas fracassadas de emprego faz, mais suscetível fica à tristeza.

Jovens expostos a períodos longos de recessão, costumam acreditar que o sucesso tem mais a ver com a sorte do que com o esforço pessoal. E isso é uma catástrofe tanto do ponto de vista econômico como do social, para eles e para seus países.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O bom, o mau e o feio - ética e estética



De autoria do advogado Nicolau da Rocha Cavalcanti e publicado no Estadão de 3/out/2012, este texto merece ser compartilhado com você, leitor do nosso blog.

(...) É possível ver a ética pela estética? Não me refiro à estética da proporcionalidade do rosto, do bronzeado, do implante de cabelo, do silicone, da taxa de gordura; numa palavra, à estética da forma física. A questão é outra: as escolhas feitas ao longo da vida, as nossas decisões, transparecem no nosso rosto? Será que a história do Pinóquio tem um fundo de verdade? As minhas mentiras deixam marcas na minha cara?

Atualmente, entendemos por ética um conjunto de valores subjetivos, organizados na medida e na hierarquia que cada um julgue relevante para uma vida digna. Mas não haveria uma ética comum, com independência do que cada um pensa? Deve haver, pois não é razoável, por exemplo, que alguém considere que mentir seja ético. Será possível entender como atitudes éticas a covardia, a ingratidão e a arrogância?

A dignidade humana parece exigir sempre algumas qualidades morais, com independência das idiossincrasias ideológicas e culturais de cada um. Esse fato - que poderia parecer uma limitação para a nossa liberdade - é o que lhe confere sentido. As nossas escolhas são relevantes.

(...) É preciso (intervenção nossa) refletir não apenas sobre a nossa ética, mas também sobre a nossa estética. O que é a beleza humana? Que a garota de Ipanema seja bela ninguém discute. Mas há também uma beleza que provém da dignidade, e não se trata apenas de uma "beleza espiritual", não sensível. A pessoa, pelas suas opções, torna-se de fato bonita. Dá gosto olhar para o seu rosto.

Seja qual for a idade, a prática de algum tipo de exercício físico sempre ajuda. Mas será que o ideal de beleza humana, especialmente na maturidade, não se apoia, sobretudo, nessa estética da dignidade? O que é um rosto bonito aos 50, aos 60 anos? São os cremes e as cirurgias que determinam? Ou são as atitudes e aquilo que os olhos expressam?

É comum ouvirmos reclamações sobre a falta de ética dos homens públicos ou da sociedade em geral. Talvez pudéssemos manifestar essa mesma indignação falando da feiura que, infelizmente, muitas vezes encontramos: rostos que poderiam expressar humanidade, mas são artificiais, não em razão das plásticas, mas pela falta de sinceridade de vida.

Exigir ética pode parecer mais fácil. Temos a impressão de que ela é um aspecto mais objetivo, mais mensurável. Já a beleza parece estar noutro âmbito. É sempre algo mais vital e exige do próprio observador a capacidade da contemplação.

Contemplar a ética pela face da estética exige um aprendizado. Não basta uma régua. Já não se trata de medir ou de enquadrar, mas de observar. (...)

Esse aspecto também joga algumas luzes sobre o nosso conceito de ética. De uma forma ou de outra, a ética kantiana - configurada essencialmente por deveres - é uma ética de mínimos. Seria ético quem não infringisse as normas éticas, quem vivesse o código de ética da sua profissão. "Não matei nem roubei, logo, sou uma pessoa justa." Esse raciocínio está longe da percepção aristotélica da ética, que aponta para a perfeição do comportamento humano. Não basta abdicar do mal, é preciso ser bom de verdade.

Novamente, vemos aqui a relação entre ética e estética. A beleza também nunca é apenas uma ausência de defeitos: tem sempre algo positivo.

A sociedade capta essa relação ética e estética. (...)

Vemos essa correlação não apenas nos políticos, mas também no Poder Judiciário. Com os magistrados temos a oportunidade de observar essa evolução - ou involução - ao longo do tempo. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) são um exemplo evidente. A dignidade de cada um, que no âmbito judicial se manifesta primariamente por meio da sua independência, se traduz no rosto de cada um. Quem, ao final do processo do mensalão, sairá mais bonito e quem sairá mais feio? E não se trata de ficar bem ou ficar mal perante a opinião pública, mas de ser expressão viva de humanidade, de coerência, de justiça.

"Olhar-se no espelho" não é apenas uma metáfora para a análise da consciência. O próprio rosto já é em si mesmo manifestação da consciência.

(...) Tanto para as próximas eleições quanto para o caso do mensalão, ver com calma o rosto dos candidatos, dos juízes, dos réus pode ajudar. Afinal, estamos lidando com pessoas, não com números. E depois dos 40 somos nós que decidimos se seremos bonitos ou feios. Afinal, parafraseando Abraham Lincoln (intervenção nossa), quando era presidente dos EUA: “Todo homem acima dos 40 anos é responsável pela cara que tem”.

* Advogado, é presidente do centro de extensão universitária (CEU), entidade mantenedora do instituto internacional de ciências sociais (IICS).
E-mail:
nicolau.cavalcanti@gmail.com