BUCCI. Eugênio*. O Estado de S.
Paulo, A2, 15/11/2012.
Economia melhora, o crime cresce -
com esse título, reportagem de Murillo Camarotto, publicada no caderno Eu &
Fim de Semana, do jornal Valor Econômico, de 9/11/12, demonstra de
modo irrefutável o que os governos no Brasil detestam admitir: a miséria, a
pobreza e a chamada exclusão social não são as causas principais do aumento das
taxas de homicídios, de assaltos e da violência generalizada que espalha medo
nas cidades brasileiras. Levantamento realizado pelo Valor
mostra que, entre os dez Estados brasileiros que mais reduziram a desigualdade
social de cinco anos para cá, seis pertencem simultaneamente a outro grupo,
este bem menos edificante: o grupo dos dez onde a violência mais cresceu. Os
dados e os estudos apresentados pela reportagem desmascaram a tese de que a
necessidade extrema seria a única responsável pelo fenômeno a que os sociólogos
dão o nome de "criminalidade urbana".
A notícia não é exatamente nova. O
estado de necessidade, que viola todos os requisitos da dignidade humana,
constitui a pior violência que se pode cometer contra alguém. Há décadas, no
entanto, já sabemos que o estado de necessidade não é a causa principal da
violência. Ele é inaceitável, totalmente inaceitável, mas não porque cause
aborrecimentos aos de cima; é inaceitável porque não se pode conviver mais com
a miséria. É inaceitável só por isso, sem precisar de nenhum outro interesse
pragmático para ser mais inaceitável do que já é. Não obstante, o pensamento
político brasileiro, na média, estabelece um vínculo falso entre uma coisa e
outra. Aqui, os demagogos difundem a crença fácil de que a necessidade é a mãe
da violência. A maldade humana seria um mito, só o que existe é a perversidade
das condições materiais de vida.
Conclusão: a culpa pela falta de
segurança pública seria do "sistema". Pronto. Políticas realistas de
segurança pública não passariam de meros paliativos, pois todo o mal reside nas
diferenças entre ricos e pobres. Nivele-se a sociedade e a violência cessará,
promete a demagogia.
Mais que ilusória, essa mentalidade
é deletéria. (...)
Assim, o discurso que diz que a
violência é produto da necessidade dos mais pobres embute um outro discurso,
mais complicado, segundo o qual a corrupção "do bem" é uma
necessidade da luta política. (...)
Acontece que a corrupção, assim como
a violência urbana, não decorre da faixa de renda de cada um. Os demagogos
sabem disso, mas fingem não saber. (...)
Demagogos endinheirados se perdoam
em nome da necessidade, não do desejo. Eles também se consideram vítimas do
sistema e, do alto dessa presunção, subornam assessores, policiais e cabos
eleitorais. Alegam que combater o sistema não é barato. Acreditam ser o
expediente do crime imprescindível para se fazer política, assim como acreditam
que um assalto à mão armada seja uma saída contra a fome. Os demagogos não
percebem que se converteram no próprio sistema que prometiam combater. Não têm
como aceitar o próprio desejo, pois, neles, o desejo é o desejo de se fundir no
sistema que prometiam combater, o desejo é o desejo de estar do outro lado.
Por essas e por outras, a
mentalidade demagógica (...) é inepta para enfrentar o desafio da segurança
pública. Ela não entende que quando um adolescente mata outro, da mesma idade,
para lhe arrancar um par de tênis, não mata por necessidade, por ter os pés
descalços, mas por desejo de desfilar com aquela marca, assim como o corrupto é
corrupto não por necessidade partidária, mas porque deseja uma gravata de
grife, um iate cafona, a aprovação de seu chefe ou a bajulação dos carentes.
A violência que cresce em São Paulo,
em mais uma onda cíclica, não vem de baixo, "dos pobres", nem da
necessidade. Vem do alto. Em sua face mais visível, é verdade, ela brota do
desejo de quem só tem um revólver na mão para se fazer notar. Mas em sua
estrutura, em seu motor histórico, ela vem do desejo dos de cima que, na sua
ambição, degradam a polícia, distribuem armas, concentram renda e sonegam
direitos. O "sistema", nesse caso, está mudando de mãos. E tem nome e
endereço.
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