Toda pessoa deveria ter o momento
de ficar diante de si mesma, de se colocar face a face com sua trajetória e
decidir o que é a sua vida e o que vai ser. Decidir se permanecerá na acomodação
ou se permitirá viver com restrições.
Restrição no sentido de não mais
viver o momento como se não houvesse amanhã. Em tudo que faz, o ser humano
precisa agora atentar para as vidas dos outros: ser cauteloso, contido,
meticuloso, com a consciência de que essa restrição é movida pela decência que
deve a outros seres humanos. É a descoberta da vida que as limitações
ecológicas e os interesses alheios o proíbem de viver.
A humanidade, hoje, está dividida
entre os que acreditam que não deva haver empecilhos para o desenvolvimento econômico
e os que acreditam que precisam viver dentro dos limites de seus meios. A
batalha travada entre os verdes e os que negam as mudanças climáticas, entre os
defensores da segurança nas estradas e corredores alucinados, tende a se tornar
muito mais cruel quanto mais as pessoas romperem os limites da decência,
colocando suas paixões e poder acima das necessidades do próximo.
O despertar de cada um para a
escala de sua responsabilidade individual está diretamente relacionado à
aceitação das implicações de se viver com o amanhã em mente. A primeira delas,
certamente, é abdicar de seus interesses e se preocupar com os outros, é estar
convicto de que algumas coisas existem para favorecer o bem-estar de todos, sem
gerar lucros para ninguém. Além disso, é preciso relativizar os meios
alternativos capazes de nos fazer escapar das limitações, considerando que
esquivar-se dos problemas de hoje significa multiplicá-los no futuro. Se vivemos
em um planeta finito que não acomoda um crescimento perene, é fácil deduzir que,
com o tempo, o crescimento nos fará atingir um novo limite, que demandará uma
nova resposta global em termos dos recursos naturais.
O filósofo francês Jean-François
Lyotard entende que essa necessidade de preparar o futuro para as pessoas que
amamos, as nossas gerações futuras, modifica nossa relação com a coletividade:
é o princípio da fraternidade que ele chama de segundo humanismo. Para ele, é o
nascimento de uma nova face do humanismo em que os valores encarnam o homem e
levam à transcendência do outro e do amor.
Isso quer dizer que em uma época
de emergências permanentes, a grande causa pela qual vale a pena lutar e que dá
sentido às nossas vidas é o mundo que vamos deixar para nossos filhos: é o
outro que é digno de nosso sacrifício, objeto do nosso amor e da dedicação de
nossa energia e saberes ao combate das injustiças e do sofrimento, da fome e
das doenças, das drogas e do terror.
Trata-se de uma nova forma de
relacionamento entre os homens e as sociedades que constituem. Uma nova forma
que enseja, para todos, opções reais de como viver, o que fazer, quem amar.
Cabe a cada um a escolha de tornar-se resignado ao lidar com a perversidade, a
violência, a corrupção, ou de perder a esperança na capacidade de repensar suas
presunções básicas e, claro, repensar o tipo de sociedade em que deseja viver.
Entretanto, não se pode ignorar
que essa decisão oscila essencialmente entre as limitadas escolhas do presente
e as possibilidades ilimitadas do amanhã. Tomara que você não siga a lenda
segundo a qual todo mundo quer ter sua última aventura.
Alzira J. M. Almeida. Sócia-diretora da Rhaizes, Psicóloga e Educadora.
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