Dada a necessidade que todos nós
temos de melhorar nossa compreensão sobre o momento em que se encontra a
humanidade, compartilhamos com vocês trechos bastante elucidativos da
entrevista que Leopold Nosek, da Federação Psicanalítica da América Latina,
concedeu a Marília Neustein e Sr, colaboradora do Estadão(Caderno 2, D10,
7/10/2012).
Para ele, os sintomas desse momento
de transição que estamos vivendo representam um dos principais desafios dos
analistas contemporâneos. “O filme A Pele em que Habito, de Pedro Almodóvar,
apresenta o monstro atual”, pondera. “O indivíduo pode trocar de sexo, de pele,
fazer filhos de proveta, coisas antes inimagináveis”. Os temas do encontro
serão tradição e invenção. “Veremos como esses dois dados se relacionam. Sem a
tradição não se vive. No entanto, ficar paralisado na tradição também não é
viver”, afirma.
A seguir, os melhores momentos da
entrevista.
O mundo atual é muito
fragmentado, a análise ajuda a dar unidade para pensamentos e sentimentos?
O paciente continua um ser humano.
Só precisa ser lembrado disso. É um trabalho de recuperação. Não vivemos de construções
velhas, portanto é impossível um analista estar ouvindo a mesma coisa. Nossos
sentimentos pedem sempre novos versos.
Quando um paciente tem alta, quem
define isso: ele ou o analista?
Não creio em alta. A alta não faz
parte da minha ideia analítica. A cura é uma ideia médica e se baseia em
sintomas. O que existe são momentos de desenvolvimento que promovem
emancipação. Tem muita gente que quer se aprofundar em si mesmo. Por outro
lado, para quem faz análise, esse tipo de exercício reflexivo é vital. Não há
como evitar.
Existe quem consiga fazer essa
reflexão sozinho?
De fato não criamos nada em
isolamento. Prefiro dizer que há pessoas que fecham a porta para esse tipo de
prática. Muitas possuem uma dificuldade de olhar para sua interioridade. São
pessoas que estão sempre em ação, impedindo o contato com o mundo onírico.
Outros têm uma cegueira para o que é conflitivo, contraditório e escuro. O que
sabemos sobre a análise é que aquele que a faz fica um pouquinho melhor na
comparação com ele mesmo. E esse pouco melhor é inestimável. A família e as
pessoas ao lado notam. Claro que, como tudo, análise depende de sorte. De achar
a companhia certa para tanto. Nelson Rodrigues dizia que sem sorte você não
chupa nem picolé porque vai cair no seu sapato.
A rapidez e a competição da
atualidade contribui para o aumento da angústia?
Vivemos transformações importantes.
Acostumamo-nos a lidar com um aparelho eletrônico e já temos que lidar com um
novo. Existe hoje um paradoxo. Vamos viver mais de oitenta anos, mas ficaremos
obsoletos profissionalmente, muitas vezes, com 40, 50 anos. Isso gera uma
grande insegurança. Há uma enorme concentração de recursos materiais e de
expediente para o trabalho para se produzir. Isto influencia nosso modo de
viver. Por exemplo, os bancos vão se preocupar com suas ações e não com as
hipotecas e o destino dos mutuários. Será que as grandes corporações
farmacêuticas são diferentes?
E qual a consequência disso?
Falta tempo para o ser humano olhar
para a própria humanidade. Não conseguimos construir um acervo onírico, uma
personalidade. Sonhar e adquirir um repertório cultural, poético, requer tempo.
É isso que necessitamos para dar conta da vida. É um desafio dos analistas de
hoje, muito diferente da época do Freud. O sofrimento atual é de outra ordem. A
do vazio. O indivíduo sofre, mas não articula um discurso. Quem tem pânico, por
exemplo, sequer sabe diferenciar se o sofrimento é psíquico ou corporal. E
crescem doenças como a anorexia, obesidade e a bulimia, que há 40 anos eram uma
raridade.
Com o avanço das drogas psiquiátricas,
o paciente é o que ele toma?
Claro que não. Comemoramos as novas
medicações, são um progresso. Entretanto, há um exagero. As pessoas não podem
mais ficar tristes. Crises e os lutos são grandes oportunidades de
transformação, de inventividade, desenvolvimento. Se você não tem tempo do
luto, as pessoas tornam-se descartáveis. Como viver sem perdas? O importante é
dar um destino criativo para elas.
Onde entra a análise?
As pesquisas mostram que uma
terapia, de ordem verbal, aliada a medicação, funciona melhor do que só o
remédio. Isso é consenso em psiquiatria também. No entanto, existe uma
predileção por sucesso rápido. Costuma-se dizer que a psicanálise é demorada. O
que ocorre é que entramos em um processo de desenvolvimento. Se a análise for
boa você sente os benefícios desde o primeiro encontro.
Como se manter são ?
Eu nem pretendo isso. Não me
apresento assim. Não tenho cara de são e não faço a menor questão de ser. E não
sei mais do que a pessoa que está lá comigo. Só tenho um ouvido disciplinado
para aquilo. Para ser analista, tem que ter problemas suficientes para não
conseguir ficar quieto.
Como o senhor vê o crescimento
dos fundamentalistas no mundo?
Quando eu comecei, a angústia dos
pais era que os filhos estavam virando revolucionários. Hoje, se preocupam
porque os filhos estão virando fanáticos. Com a falta de tempo para construir
um acervo que dê conta da sua humanidade, o indivíduo apela para as receitas
prontas.
Em qualquer época?
Em tempos de transformação. Quando o
velho não existe mais e o novo ainda não se estruturou, criam-se os monstros,
dizia Antonio Gramsci. São momentos em que ainda não há um novo sonho, uma
referência poética. Em épocas como essa, em que não existe tempo de esperar até
que se organize um novo sonho, uma nova referência poética e cultural, é que as
pessoas se socorrem de coisas estabelecidas.
O que é a felicidade?
Essa felicidade da qual se fala é
uma bobagem (risos). Uma coisa é viver criativamente, viver bem. Viver feliz é
um sonho infantil. A ideia de não ter conflitos, problemas, é uma negação da
realidade. Isso não é viver feliz, é ter uma anestesia para uma parte da vida.
Uma pessoa que acredita nisso não vive as crises dos filhos, as questões
amorosas, os lutos. Pensa em soluções. Chamo essas pessoas de “solucionáticas”.
Para resumir, qual o maior
desafio para o analista hoje?
Cada vez mais o tratamento é
bipessoal. Na sala de análise tudo pode acontecer virtualmente. O analista tem
que ser corajoso e participativo. Ter audácia. Tem que ter o conhecimento. Esta
é a sua ética. Estamos todos em questão, o paciente, o analista e a análise.
Cabe a brincadeira “vamos olhar seus problemas de frente: pode se deitar”.
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