segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A receita vencedora dos atletas bisavós


BARELLA.  José Eduardo.  A receita vencedora dos atletas bisavós. O Estado de S.Paulo. Reportagem Especial Vida Saudável. p.A18, 8/set/2012

Estudo divulgado neste ano pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, indica que o sedentarismo estava relacionado a 5,3 milhões de mortes no mundo em 2008, pelo fato de ser um facilitador do desenvolvimento de diabete, hipertensão, obesidade e até determinados tipos de câncer. O número representa 9% das mortes anuais causadas por doenças crônicas não transmissíveis do planeta, perdendo apenas para o tabagismo.

Classificado há dez anos como doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS), o sedentarismo tem impacto maior na terceira idade. "O envelhecimento é um processo natural, mas é preciso se preparar com antecedência", afirma Sandra Matsudo, especialista em medicina esportiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e autora de vários trabalhos que relacionam envelhecimento e atividade física.
Segundo Sandra, o corpo começa perder o vigor a partir dos 30 anos. Entre os 50 e 60 anos, a perda de massa muscular é acentuada, principalmente nos membros inferiores, afetando as articulações e o equilíbrio. A atividade física nessa faixa etária fortalece o sistema cardiovascular e combate a osteoporose. "Praticar exercícios é como fazer uma ‘poupança’ da saúde do corpo", diz.

A maioria, porém, só passa a se mexer quando as doenças crônicas começam a se manifestar. Foi o que aconteceu com Mitiko. Até os 54 anos, ela vivia à base de remédios e calmantes para aplacar as dores nas costas e as crises de hipertensão que tornavam sua vida um inferno. Por recomendação médica, começou a caminhar. No início, uma volta no quarteirão por dia. Aos poucos foi aumentando a distância até que alguém sugeriu que começasse a correr. Indicada por um sobrinho, passou a treinar com o técnico Wanderlei de Oliveira, um dos maiores especialistas do País. Mitiko tinha na época 57 anos. "O efeito mais visível no início foi a melhora da autoestima", diz Oliveira. "Ela ajudou a derrubar o mito de que a idade é um fator limítrofe para a prática de atividade física."

Mitiko diz que enfrentou preconceito. "Quando comecei a treinar em pista, os jovens diziam que eu atrapalhava, que ali não era lugar para uma idosa", conta.

Com acompanhamento, ela entrou no circuito de provas de pista e de rua (3 km, 5 km e 10 km) que a credenciou a voos mais altos. Das três maratonas internacionais que disputou, venceu duas na sua faixa etária. Seu currículo inclui o bicampeonato mundial master, dez vitórias consecutivas na tradicional prova da São Silvestre e o recorde brasileiro dos 800, 1.500 e 3.000 metros. Além de treinos técnicos, Mitiko - um casal de filhos, três netos e um bisneto - faz musculação e hidroginástica. No ano que vem, ela pretende abocanhar o tri do mundial master, que será disputado no Brasil.

Ivone tinha 51 anos quando começou a praticar exercícios, também por necessidade. Mas aproveitou o conselho do médico vascular de incluir a natação no tratamento de varizes para lançar um desafio a si própria: o de aprender a nadar. "Queria usar a piscina de meu filho e não podia, pois era funda", conta. "Fiquei um ano tendo aulas num tanquinho. Aprendi e, quando tive segurança, parti para o treinamento sério."

Em pouco tempo, Ivone passou a competir em torneios master de natação, acumulando vitórias e recordes pessoais durante 17 anos. Sua rotina incluía musculação e esteira. Em busca de novos desafios, decidiu trocar a natação pela corrida de rua. Em dois anos, já completou cinco meias maratonas - na última delas, há um mês, foi a campeã na sua faixa etária. Mãe de um casal de filhos, Ivone tem cinco netos e dois bisnetos. Aparenta bem menos a idade que tem, treina seis vezes por semana - dois deles na piscina - e reclama que é a única da família que pratica exercícios. "Falei para o meu filho, que acaba de fazer 52 anos, que comecei na idade dele. Ainda dá."

Carga. Daphinis praticou atletismo na juventude, mas caiu no sedentarismo depois que começou a trabalhar como autônomo. Ele só saiu da mesmice aos 56 anos, quando passou a nadar à noite numa academia perto de casa, sem maiores pretensões ou acompanhamento. Aos 75, mudou de bairro e de academia, matriculando-se na Competition, onde foi estimulado a treinar sob supervisão de especialistas.

Ele admite que enfrentou preconceito de amigos próximos, que consideravam a carga de treinos pesada para sua idade. "Falavam que fazer exercício é muito chato, uma perda de tempo para quem é velho", diz. Daphinis lamenta que todos eles já tenham morrido. "Eles se foram e ainda estou aqui."

Disciplinado, Daphinis acumulou mais de 50 medalhas em provas e ainda conseguiu arrastar a família para a prática de exercícios. A mulher, de 84 anos, nada e faz musculação. O mais velho dos cinco filhos, hoje com 64 anos, compete em provas de 3.000 m e 5.000 m em mar aberto. Além deles, uma nora, um neto e uma neta também malham na mesma academia. E espera um dia acompanhar os três bisnetos. "Já fiz proposta de me mudar para cá", brinca. Daphinis reclama não ter ninguém de sua faixa etária (85 a 90 anos) disputando provas master de natação. "Meu adversário sou eu", diz.

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